Descrição
Niltonci Batista Chaves (Org.)
Edição: 1a
Páginas: 192
Formato: 30 x 30 cm
Peso: 1.500g
Miolo: papel cuchê 150g, costurado
Capa dura
Ano de publicação: 2010
ISBN: 978-85-62450-10-5
Apresentação
A palavra latina patrimonium surgiu na Roma antiga e era utilizada para expressar tudo o que pertencia ao pai e que era deixado por ele aos filhos, como herança. Dizia respeito aos bens materiais que, com a morte do chefe familiar, deveriam ser partilhados por seus descendentes de forma parcimoniosa.
No decorrer do tempo, e com as transformações históricas e socioculturais, esse vocábulo ganhou novos significados. A partir da difusão do cristianismo, ele incorporou uma preocupação dos cristãos de preservar e disseminar valores, sentidos, símbolos e rituais, numa dimensão imaterial que continha a essência dessa crença.
Nos dias atuais, o conceito de patrimônio ampliou-se e ganhou relevância ao redor do mundo. Sua dimensão cultural cada vez mais se sobrepõe a uma visão material. A partir dessa perspectiva, Cury sustenta que, na contemporaneidade, “patrimônio é um conceito universal, de domínio de todos, entendendo que todos temos direito ao nosso próprio patrimônio e compromisso de defesa do patrimônio de outros”.
Experiências, práticas sociais, manifestações religiosas, construções cotidianas ─ físicas ou culturais ─ compõem o conjunto de elementos que formam a noção de patrimônio, e é necessário que elas estejam associadas a um desejo coletivo de preservação de uma história, de uma identidade ou de uma vivência específica.
(…) podemos transitar de uma cultura para outra a partir do conceito de patrimônio, sempre tomando o cuidado de observar que não existem modelos corretos e excludentes. Ou seja, o que é reconhecido como patrimônio em uma comunidade, não necessariamente o será em outra, onde os valores são diferentes. De acordo com alguns estudos contemporâneos, comunidades constituem um objeto como seu patrimônio a partir de sua função utilitária, por exemplo, uma igreja. Já outros grupamentos humanos constituem seu patrimônio a partir de sua natureza moral, religiosa, mágica, jurídica, estética, política, psicológica ou econômica.
Assim, a noção de patrimônio cultural, criada pelas sociedades, envolve aspectos distintos, como espaços físicos, edificações, festividades, divindades, datas cívicas, práticas culinárias, ritmos musicais, danças, rituais, etc. O patrimônio cultural de um grupo é então fruto de relações sociais instituídas e incorporadas por ele e expressa aquilo que lhe é mais caro, precioso e singular. Enfim, as sociedades criam ou inventam seus patrimônios conforme as suas condições, realidades e interesses próprios.
Foi exatamente por compreender esse processo que os criadores e diretores do Parque Histórico de Carambeí iniciaram, em 2009, um audacioso projeto de valorização do rico patrimônio cultural que começou a ser construído nessa localidade a partir de 1911 ─ quando chegaram os primeiros imigrantes holandeses à região dos Campos Gerais do Paraná ─, por meio de um Programa de Patrimônio Cultural, focado na adequação de espaços museais, na catalogação de acervos, na promoção de eventos socioculturais, na produção de mídias digitais e na publicação de livros.
Formada majoritariamente por holandeses, mas também marcada pela presença de brasileiros, indonésios e alemães, a antiga colônia batava chega ao seu primeiro centenário trazendo consigo a marca de multiplicidade, da criação e da invenção. Carambeí não é uma Holanda incrustada em solo brasileiro. Tampouco é um pedaço de Brasil cedido aos holandeses. Ao longo desses primeiros cem anos de existência, ela foi construída a partir da realidade socioeconômica brasileira, constituiu-se com a ação empreendedora holandesa e contou com a colaboração de outros grupos étnicos. Foi assim que se forjou em Carambeí um rico patrimônio cultural, resultado da mescla de diversas matrizes e de sua reelaboração a partir da realidade brasileira.
Carambeí não é, portanto, uma colônia que sintetiza a presença holandesa no Brasil. Ao contrário, é fundamental identificar os diversos momentos e movimentos dessa trajetória ao longo dos últimos séculos, para que se possa perceber o quão diferente e particular é o patrimônio cultural produzido por essa comunidade que se forma no Paraná a partir do começo do século XX.
Tanto por sua datação quanto por seu percurso histórico, é possível considerar a experiência de Carambeí como o ponto de inflexão da colonização holandesa contemporânea no Brasil. Num momento de transformação estrutural do país, a presença batava no Paraná foi determinante para o desenvolvimento do estado e também para a continuidade imigratória dos demais grupos de holandeses para o Brasil.
A celebração do centenário da imigração holandesa em Carambeí capta e valoriza essa relação secular entre o Brasil e a Holanda. Não é somente a comemoração de uma data particular, mas a contemplação de um processo no qual a datação é apenas um marco perceptivo.
Depois de 1911, o relacionamento entre o Brasil e a Holanda passa a ganhar um novo sentido, e as práticas econômicas que a partir de então se estabelecem funcionam como uma das grandes forças dessa história. Em Carambeí, experiência de uma colonização exitosa, o modelo econômico de produção cooperativa estruturou-se em agroindústria, permitiu observar as possibilidades de um Brasil viável, inspirou a formação de outras colônias e possibilitou a sua própria emancipação, em 1995.
Como importante unidade museal, o Parque Histórico de Carambeí pretende contar parte dessa história, valorizando a contribuição holandesa e, ao mesmo tempo, reconhecendo a participação dos outros grupos que fizeram parte da invenção de Carambeí e de seu singular patrimônio cultural.
O desafio é grande, na medida em que a recuperação desse acervo passa pela busca de informações que se originam em documentos oficiais, fotos familiares, matérias jornalísticas, velhas cartas amareladas pelo tempo, depoimentos marcados pelos sentimentos e pelas lembranças mais profundas.
O objetivo dessa iniciativa não é o de recuperar toda a história da presença holandesa no Brasil. Busca-se traçar, em linhas gerais, os caminhos seguidos pelos batavos em solo brasileiro desde os tempos coloniais e chegar até os dias atuais, enfatizando o último centenário a partir de Carambeí.
A preocupação é falar sobre a história dos coletivos, dos personagens anônimos, das pessoas comuns, das lutas, vitórias e fracassos que fazem parte da história de quaisquer comunidades; enfim, produzir aquilo que o intelectual francês Lucien Febvre chamaria de história feita com o inconfundível cheiro de carne humana.
Ao recuperar os acontecimentos que dizem respeito ao cotidiano das pessoas que viveram na colônia ao longo desses cem anos, busca-se desvelar como se deu a invenção de Carambeí e a consequente formação de seu rico e particular patrimônio cultural.
O conjunto das publicações que integram este projeto é composto pelo Almanaque Imigrantes, publicado quinzenalmente, e por seis livros que desenvolvem as temáticas anunciadas nesta apresentação. Este volume específico traça de modo sintético um cenário da presença holandesa no Brasil entre os séculos XVI e XXI. Não se trata de abordar todas as colônias surgidas ao longo desse tempo, mas de esboçar um quadro geral da presença batava em solo verde-e-amarelo.
Em seguida, virão quatro livros, temáticos, que abordarão aspectos da vida em Carambeí desde 1911 até os dias atuais. Arquitetura, tecnologia agrícola, cooperativismo, sociabilidades, culinária e práticas educativas e religiosas são alguns dos assuntos dessas obras, que ajudam a compreender como se formou a colônia e como ela forjou seu patrimônio cultural.
Finalizando a série, será publicado um grande catálogo que expõe todo o processo de pesquisa e produção desse material ─ resultado do trabalho de historiadores, educadores, geógrafos, arquitetos, ambientalistas, jornalistas, fotógrafos, designers, revisores, tradutores ─ e aponta para as características atuais e as perspectivas futuras da presença holandesa em solo brasileiro.
Desta forma, os criadores e diretores do Parque Histórico de Carambeí esperam contribuir não só para a recuperação do conhecimento da presença holandesa no Brasil, mas, principalmente, para a valorização e disseminação do patrimônio cultural desenvolvido em Carambeí.
Dick Carlos de Geus
Presidente da Associação do Parque Histórico de Carambeí
Carambeí, julho de 2010
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