Descrição
Letícia Fraga e Álvaro F. da Fonseca Junior (orgs.)
Sergio Mateus Goitoto, Leila Terezinha Goitoto, Eliane dos Santos, Alzemiro Ferreira dos Santos e Maria Paula Kẽnpri Honório (autores)
Dados técnicos da obra
Edição: 1a
Páginas: 64, com ilustrações
Formato: 15 x 21
Peso: 150g
Miolo: papel ofsete 120g/m2, costurado
Capa: cartão supremo 250 g/m2, com laminação fosca
Ano de publicação: 2015
ISBN: 978-85-62450-42-6
Fotografias: Sergio Mateus Goitoto e
Álvaro F. da Fonseca Júnior
Capa: Álvaro F. da Fonseca Júnior
Projeto gráfico e diagramação: Matheus Zaremba Martins
Apresentação
Financiado integralmente com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), este livroé uma publicação vinculada ao projeto de pesquisa “Formação continuada de professores de língua em contextos bi/multilingüesparanaenses”[1], atividade integrante do programa de extensão Laboratório de Estudos do Texto, da Universidade Estadual de PontaGrossa.
O objetivo deste projeto é investigar como são pensadas, no estado do Paraná, as práticas político-pedagógicas em algumasregiões indígenas bi/multilingues, considerando o multilinguismo e o multiculturalismo presentes nesses locais.
Procuramos também fazer um levantamento do papel da escola e da comunidade indígena no processo de revitalização emanutenção linguístico-cultural, considerando a presença da cultura luso-brasileira na região.
É sabido que, em sua grande maioria, as culturas indígenas foram suplantadas pela cultura luso-brasileira, e esse processotem provocado movimentos de resistência por parte de comunidades indígenas, as quais muitas vezes se esforçam por conservarsuas línguas, culturas e memórias[2], especialmente por meio da educação escolar, já que muitos “aprenderam a valorizar a ‘escola’como um espaço de aquisição de conhecimento e de aperfeiçoamento pessoal no sentido da aquisição de habilidades para ummelhor desempenho na interação com a sociedade dominante.”[3]
As iniciativas de revitalização e manutenção de culturas indígenas, todavia, são dificultadas pela falta de autonomia dascomunidades indígenas na elaboração de seus documentos norteadores (embora essa autonomia seja garantida pela ConstituiçãoFederal de 1988; LDB 1996) e ainda pela ausência de um plano de atendimento direcionado a suas escolas, no sentido de formular eimplantar programas de formação de professores dentro dessa especificidade e também de regularizar a situação profissional dessesprofessores (MEC/SEF/DPE, 2002), dentre outros problemas.
Assim, ainda que a resolução do CNE possa ser considerada um avanço em termos de legislação, na prática ainda faltaclareza no direcionamento das ações educativas relativas a questões fundamentais à educação de comunidades minoritárias.
Por exemplo, que lugar os conhecimentos tradicionais devem ocupar no processo de ensino e aprendizagem? Muitostrabalhos apontam que isso depende da relação que a comunidade mantém com esses conhecimentos. Desse modo, serianecessário predefinir a dinâmica de trabalho, ou caberia a cada comunidade tomar essa decisão autonomamente, considerando suarealidade sociocultural e seus desejos e necessidades? De qualquer maneira, considerando que, em geral, ações nessa esfera sãopensadas e desenvolvidas para as comunidades indígenas, e não propriamente com elas, certamente a melhor saída é a que conta, ao menos, com a participação dessas comunidades.
Entende-se, assim, que a voz das comunidades indígenas é imprescindível na tomada de decisões, na elaboração de projetose na implementação de políticas públicas no sentido de traçar rumos para a educação neste contexto. Para tanto, é preciso que opesquisador esteja aberto a ouvir os anseios da comunidade indígena em questão, de modo que o projeto atenda às necessidadesdessa comunidade e promova sua independência e autonomia no gerenciamento de suas demandas e de seus conflitos. Com isso, evita-se alimentar a velha cultura da dependência ou, pior, a mera exploração das culturas “exóticas” mediante o desenvolvimento detrabalhos de pesquisa cujos resultados se restringem ao ambiente acadêmico, sem qualquer contribuição efetiva para melhorar ascondições das comunidades indígenas.
O projeto que deu origem a este livro foi desenvolvido, de dezembro de 2012 a agosto de 2015, na Terra Indígena de Mangueirinha, situada no sudoeste do Paraná. De início, foi feito um levantamento das demandas da comunidade indígena,especialmente de alunos e professores que carecem de material de apoio para as aulas das disciplinas de Língua e de CulturaKaingang.
Assim, e com vistas à criação de produtos que se prestem a resgatar, revitalizar e conservar a língua e a cultura dacomunidade, o tema deste livro – remédios Kaingang – surgiu logo na primeira de várias reuniões que fizemos naquela localidade. Na sequência, e contando com a participação ativa da comunidade, o levantamento e a seleção dos dados foram feitos por uma equipeformada por Sergio Mateus Goitoto, Leila Terezinha Goitoto, Eliane dos Santos, Alzemiro Ferreira dos Santos e Maria Paula Kẽnpri Honório, razão pela qual eles figuram como autores desta obra.
Foi de iniciativa de Sergio Goitoto apontar a importância de se resgatar e registrar os conhecimentos relativos à medicinatradicional Kaingang, aos quais ele, Sergio, ainda teve acesso por meio da convivência com seus pais e avós. Nos últimos 20 ou 30anos, conforme ele afirmou, a educação das crianças mudou muito, a tal ponto que hoje é difícil encontrar alguma criança quereconheça uma planta medicinal e/ou tenha conhecimento de sua função/indicação. Ou seja, ao menos em Mangueirinha/PR, TerraIndígena a que Sergio pertence, pode-se dizer que esse saber tem sido cada vez menos repassado às gerações mais novas.
É inegável que a introdução da medicina ocidental tem exercido um papel importante nesse processo, tendo em vista que oacesso a ela é cada vez maior, o que tem colaborado para que, aos poucos, e cada vez mais, populações indígenas abandonem suamedicina tradicional.
Assim, a iniciativa de publicar este livro se sustenta na convicção de que incentivar a revitalização e a manutenção da medicinatradicional Kaingang não significa negar a importância da medicina não indígena, assim como o inverso não pode igualmente se dar. O que se busca é justamente encontrar um meio-termo, um ponto de equilíbrio na convivência entre o moderno e o tradicional, pois acomunidade já vivencia esse contato em seu dia a dia.
Da mesma forma, a compilação desses conhecimentos tradicionais – que constituem somente uma pequena parte da culturade que o grupo dispõe – tem o objetivo de registrá-los para que não se percam, disponibilizando esse acervo para a comunidadeindígena, com destaque para a educação escolar, mas também para quaisquer outras pessoas que tenham interesse no assunto.
Além disso, esse material certamente contribuirá para que as especificidades das comunidades indígenas sejam conhecidas e respeitadas pela sociedade luso-brasileira, de modo que cada vez mais os indígenas tenham a oportunidade de sentir orgulho de “seríndio”[4], numa sociedade que, em grande medida, ainda não soube superar o preconceito e a discriminação.
Parabenizo e agradeço aos autores e a todos os envolvidos nesse desafio de contribuir para a revitalização e manutenção dacultura Kaingang, e destaco, em particular, a participação da pequena Maria Paula Kẽnpri Honório, que, ainda tão jovem, já detémgrande conhecimento sobre o tema e tem clareza da importância de preservá-lo.
Letícia Fraga (UEPG)
Coordenadora do Projeto
[1] Processo CNPq no 407358/2012-9.
[2] MAHER, Tereza Machado. O desejo de retorno da língua (quase) perdida: professores indígenas e identidade linguística. Revista da FAEEBA:Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 33, jan./jun. 2010, p. 173–184. Disponível em: http://www.revistada faeeba.uneb.br/. Acessoem: 11 fev. 2011.
[3] VEIGA, Juracilda; D’ANGELIS, Wilmar Rocha da. Na sala de aula: a subversão da escola com os Kaingang. In: SEKI, Lucy (Org.). Lingüística
indígena na América Latina. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1993. p. 249.
[4] MAHER, op. cit.
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